"Uma vida desperdiçada." Volta e meia e esse sentimento me acomete. Quem nunca se flagrou fazendo algo inútil (seja do ponto de vista estético, fisiológico, intelectual e por aí afora...) e autoflagelando-se para tentar penitenciar-se de crimes e pecados imaginários ou nunca cometidos? Fato é que chega uma hora que a gente cansa. Cansa muito. E daí não sobra quase nada de forças para recomeçar, abrir uma picada nova, um carreiro novo, uma travessia imaginária possível, qual a terceira margem de Guimarães. Tem dias em que eu não acordaria e é nesses que arrumo mais o vocabulário e os olhos. É quando ignoro todas as frases bonitas que já li e que poderiam vir em meu socorro. Então fico tateando em névoa, nessa que "olho humano algum dissipa". Fico lambendo fel, fico aspirando o azul. Fico. Fico trapaceando a fúria, imaginando-me explodir em mil e um pedacinhos impossíveis de serem restaurados e apaziguando demônios reais, porque aqui, qual cavalos de pensamentos, todo dia, todo. Do sentimento de uma vida desperdiçada salvam-nos os outros. Do sentimento de uma vida desperdiçada salvam-nos os outros? Sempre eles, tão solícitos e tão ausentes, tão reais e tão impalpáveis, tão soberanos de si e tão incapazes de dizer do inefável. Mas eles, os outros dos outros e os nossos outros, nos impingem a perguntar as perguntas fundamentais. Só nós e a nossa arte nos salvam do medo de perguntar. Só nós e a nossa arte nos salvam do medo de perguntar, como é mesmo o nome do que se vive?