quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Vestes para uma criatura

           Começa-se dando muitas voltas em torno do tema, o pano, o fundo. Lendo-o, perfilando-o. Depois, traçam-se linhas mestras como se fosse a costura que lhe dará o desenho, a feição principal. Ele/a não precisa de pedrarias, adereços e adjetivos em demasia. Basta que a costura seja reta e justa, o acabamento bem feito e os arremates imperceptíveis. Muitos daqueles que entendem das artesanias irão averiguar o avesso do artefato para certificar-se da habilidade do criador. Um ponto que falta, uma linha que sobra, uma beira ou viés sobressalente e lá se deitou fora toda a boniteza do tecido. Quase ao fim do empreendimento, volta-se por sobre ele/a e esmerilha e espera e esmera. Nota-se facilmente quando há postos frouxos, a vista enganou-se por viciada ou o caimento não está bem. Esta é a hora de repousar, criador e criatura, tomando ares novos, desmembrando-se. Findo o ato, escolhe-se outra ponta e, vai recheando, amarrando, preenchendo, estofando o texto, o tecido, até que pareça consistente o bastante para ser por si só. O intuito é fazer parecer artes de prestidigitação. Não há mãos ali, não há vontades sobrantes. Há a tessitura e, com sorte, respira vida própria. De quimeras e alusões àquele que lhe deu origem: encorpa, vigora, estabelece. Para que a criação não nasça fadada à validade determinada é preciso que tenha envergadura nobre e se baste. Então, adeus! Lá se vai mais uma roupa que nunca lhe pertenceu de todo. Outros a vestirão, emprestar-lhe-ão suas vozes, a traduzirão, levar-lhe-ão a passeio em seus deliberados gostos e vontades. É assim que se faz uma veste, digo um texto.



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