quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eu, meu país

Eu começo o dia, vagaroso.
Eu musico a caixinha, papel a flores.
Eu dou corda ao som, cor do dia.
Eu acordo a fome, sedenta.
Eu apaziguo lembrança, incauta.
Eu comemoro memória, antiga.
Eu falo muito, silêncio.
Eu viajo meu país, cidade e campo.
Eu adormeço, saudades.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Em clima de despedida

            Despedida é uma palavra nem sempre gostável. Mas talvez devesse ser. Afinal para poder receber ou dar os cumprimentos a quem sai de um lugar é preciso que se tenha ido a algum lugar e isso, por si só, já é grande coisa.
             A questão é que nem sempre queremos renunciar a algo. Nem sempre queremos que a coisa finde.
             Mas o bonito da palavra é que ela implica a ação de cessar, logo, pressupõe que fizemos algo e que deixaremos de fazer. Para substituir o que deixamos, haveremos de inventar algo novo.
             A palavra despedida também contém em si a ideia de “arremessar, lançar de si”. Eu gosto dessa imagem de ser lançado em outras plagas, de se arremeter no destino.
             Hoje é dia de despedidas. Estou deixando as terras aqui do Norte e retorno ao meu país com um universo de experiências memoráveis.
             Difícil dizer adeus para os que aqui ficarão. Fácil e prazenteiro rever velhos amigos.
             Até o Brasil, então.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eu, fado

        Sorte pode-se: dotar, combinar, acolher, merecer, predestinar, fadar, receber, prenunciar, adivinhar, prognosticar, predizer, ter, desejar, pedir, partilhar, doar, viver.
        Tudo sortido dá: boa sorte.
        Nunca foi tão fácil ter um pouco a mão. Para usar. Para oferecer.
        Por seu caráter diverso, contudo, sorte vem sem manual de instruções. Mas quem se atreveria a pedir um?

sábado, 16 de janeiro de 2010

Pirripirri Galinha Manquirri

       Eu tive pelo menos algumas centenas de bichos de estimação. Porque enquanto eu crescia, vivendo numa fazenda, todos os bichos que tínhamos eram meus bichos de estimação.
       Depois, quando fui morar à cidade, é que aprendi o dizer de bicho de estimação, coisa que me intrigou da vez primeira e continua. Porque bicho na cidade é diferente de bicho no campo. Os bichos no campo gozam de muito espaço, tem obrigações estabelecidas e ocupam um status específico na hierarquia do labor e prazer.
       Com exceção de um par de galinhas de angola, nenhum outro animal da minha infância tinha esses ares de ali estarem para embelezarem o terreiro ou simplesmente encherem nossas vidas com seus modos e trejeitos, quase sempre um misto de calmaria e rompantes efusivos de alegria animal. Em verdade eles eram muito mais do que isso.
        Além dos papeis esperados de um bicho de estimação, os animais de minha infância aravam, puxavam, rompiam, moviam, tracionavam, saltavam obstáculos, venciam distancias, transportavam-nos, protegiam-nos, livravam-nos de pragas, alimentavam-nos e enchiam as nossas vidas. Eles eram zelados, alimentados, acariciados e estimados por nós. Nutríamos por eles um amor indistinto, pois que todo bicho nasce pra ser estimado.
        A procria era motivo de festa e regozijo. Galinhas, gatos, coelhos e cachorros, que não sabem ter um filhote só, dificultavam um pouco as coisas porque nem sempre podíamos tê-los todos conosco e a despedida era sempre avassaladora. Meus irmãos, mais lacônicos, é que se ocupavam delas.
        Eu hoje me lembrei de como chamava as galinhas para a hora do milho. Eu repetia muitas vezes algo ensinado por minha mãe: Pirripirri Galinha Manquirri, Pirripirri Galinha Manquirri, Pirripirri Galinha Manquirri. (Se repetido assim, muitas vezes, pode ter efeitos hipnóticos e transcendentais. Enfim.) Afinal elas sempre corriam, com aquele jeito atrapalhado de galinha quando corre, ao meu encontro e eu terminava por alimentá-las com a certeza de que elas vinham porque essa era a língua possível e inteligível para elas, entre nós.
        Agora, entre humanos, e nos vãos das cidades, eu sigo procurando a língua possível e inteligível.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Esquecer-me

        Às vezes tenho vontade de também contar histórias.   Habituei-me a anotar a vida e vou guardando pedaços de sentimentos,  impressões, cores, texturas, excertos e imagens que recolho e elas me formam. Tenho dificuldade de jogá-las fora porque parece que vou esquecer-me (de mim?).

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Dos objetos perdidos

        Nessa estação, em terras do Norte, é muito comum encontrar luvas perdidas.
        Eu sempre fico intrigada diante de uma luva perdida. Porque ela está aí, ao léu. Ela, que outrora aconchegou e protegeu, agora virou um trapo encharcado e sujo. Se olharmos bem adivinharemos as cores que lhe compunham. Outras vezes veremos que alguém já se deteve diante dela e, solidário, recolheu e expôs esse que agora virou objeto do esquecimento. Ou seria do desaviso? E logo a luva perdida é bandeira do incauto sobre um mastro improvisado. Haverá o dono de recuperá-la? Escolherá novamente aquele caminho?
         Há quando a luva que se encontra ser objeto de perda recente e ela ainda terá todo o glamour que lhe cabe. Disso se pode desconfiar pelo status da matéria, pelo ares inaugurais da sua queda desenhada na superfície ou se pode adivinhar por suas beiras ainda quentes. Ela, aí ao chão, dá mostras de despojo e altivez.
         Para que serve uma única luva? Que desígnios lhe reserva o destino? Ultrajada pelo tempo, pela condição, pela ideia de inutilidade e falta, restará desprezada? E a alegria do dono ao reencontrá-la? Como se mede?
        Pra que serviria uma estatística de quantas luvas perdidas são reencontradas? Para que serviria um inventário do destino das luvas perdidas ou então das luvas que restaram solitárias? É provável que não servisse pra nada! Mas como é vasto e adorável o escopo dessa categoria!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Caderneta de anotações de domingo

        Encontrei uma luva perdida. Uma luva perdida é uma alma solitária.
       
        Vi um morador de rua que se prolongava na preguiça matinal sobre a cama improvisada no coreto da praça. Sob panos, mantas e cobertas ele lia compenetradamente enquanto o coreto emoldurava o amor pelo livro.
                  
        A menininha entrou no ônibus e, vendo que todos ofereciam seus passes de ônibus (ou ocasionalmente moedas) ao motorista, achou por bem oferecer-lhe o saco de doces que carregava com dedos melados e olhos satisfeitos.

       Chovia a cântaros e um leitor caminhava apressado enquanto lia o jornal sob o guarda-chuva. Sonharia ele suplantar o tempo?
        
       Encontrei uma versão de dente-de-leão. O pretexto perfeito para, como fazíamos em estado de criança, inspirar fundo, fazer um pedido e sonhar um desejo enquanto  as sementes  aladas se dispersam.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Chá para Benjamin

       Junto com ano novinho em folha e inteirinho para ser inventado, por quem assim ousar fazer, chegou Benjamin.
       Então o primeiro post de 2010 não poderia ser mais cheio de esperança, ternura e alegria, tudo o que uma vida recém descoberta contém em si (e do que nós andamos todos tão precisados)!
      Agora é chá de boasvindas ao Benjamim e, em função de algumas milhas, não pude atender ao evento. Mas preparei meu próprio chá de quereres e ofereço-lhe!
      Benjamin:
Que os seus pais sejam os mais ternos.
Que os seus avós sejam presentes.
Que você curta suas irmãs.
Que você coloque as mãos, os pés, na Terra e se apaixone por ela.
Que você seja levado para conhecer pomares e parques.
Que te deixem tomar banho de chuva.
Que você faça coleções de achados do chão.
Que te preparem chazinhos quentes.
Que você seja formado em afagos e ternuras.
Que te leiam histórias variadas.
Que você goste das pequenas criaturas.
Que você saiba amar seus pais e respeitar a sabedoria deles.
Boa jornada rumo aos nascimentos, Benjamin.
Vivas!!!
Acaricia-te,
Silvia.