Eu tive pelo menos algumas centenas de bichos de estimação. Porque enquanto eu crescia, vivendo numa fazenda, todos os bichos que tínhamos eram meus bichos de estimação.
Depois, quando fui morar à cidade, é que aprendi o dizer de bicho de estimação, coisa que me intrigou da vez primeira e continua. Porque bicho na cidade é diferente de bicho no campo. Os bichos no campo gozam de muito espaço, tem obrigações estabelecidas e ocupam um status específico na hierarquia do labor e prazer.
Com exceção de um par de galinhas de angola, nenhum outro animal da minha infância tinha esses ares de ali estarem para embelezarem o terreiro ou simplesmente encherem nossas vidas com seus modos e trejeitos, quase sempre um misto de calmaria e rompantes efusivos de alegria animal. Em verdade eles eram muito mais do que isso.
Além dos papeis esperados de um bicho de estimação, os animais de minha infância aravam, puxavam, rompiam, moviam, tracionavam, saltavam obstáculos, venciam distancias, transportavam-nos, protegiam-nos, livravam-nos de pragas, alimentavam-nos e enchiam as nossas vidas. Eles eram zelados, alimentados, acariciados e estimados por nós. Nutríamos por eles um amor indistinto, pois que todo bicho nasce pra ser estimado.
A procria era motivo de festa e regozijo. Galinhas, gatos, coelhos e cachorros, que não sabem ter um filhote só, dificultavam um pouco as coisas porque nem sempre podíamos tê-los todos conosco e a despedida era sempre avassaladora. Meus irmãos, mais lacônicos, é que se ocupavam delas.
Eu hoje me lembrei de como chamava as galinhas para a hora do milho. Eu repetia muitas vezes algo ensinado por minha mãe: Pirripirri Galinha Manquirri, Pirripirri Galinha Manquirri, Pirripirri Galinha Manquirri. (Se repetido assim, muitas vezes, pode ter efeitos hipnóticos e transcendentais. Enfim.) Afinal elas sempre corriam, com aquele jeito atrapalhado de galinha quando corre, ao meu encontro e eu terminava por alimentá-las com a certeza de que elas vinham porque essa era a língua possível e inteligível para elas, entre nós.
Agora, entre humanos, e nos vãos das cidades, eu sigo procurando a língua possível e inteligível.
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