Vinte e um anos morando na cidade grande e parcas habilidades ainda de
transitar entre os citadinos.
Todo dia era isso, ele acordava, uma
ideia renitente comprimindo o
peito: “E se não passar de hoje? E se descobrirem a grande farsa que em mim se
assenta?”
Ele não era dali, ele
nunca poderia saber o que era ter
nascido e erigido, aí, seu castelo de
conveniências. Por isso ele gostava de trabalhos impossíveis. De preferência
encomendados, daqueles brabos, com data e hora para finalizar.
Não era a sua praia, nunca seria, mas às vezes achava que
deveria estar em uma agência de publicidade. - “Não é isso que dizem? Que
marqueteiro tem deadline? Meia noite
e... o último expiro! E o glamour da
publicidade? Ela que se confunde com o
nobre pressuposto de comunicar? Arras! Qual o que?”
Só ideias. Isso. Ele era isso, só ideia. Nenhuma
mulher, algum emprego, contas no escaninho da portaria do prédio,
poucos amigos e um ermo de sentimento.
Mas uma coisa era certa, todo dia, às 6:45,
ele haveria de estar lá, na praça Rui Barbosa, exibindo musculatura e
parcimônia em exercícios orientais. “Aqueles, sabe? Aqueles que formam desenhos no ar.”
Ele
não supõe, mas sua disciplina chinesa, em movimentos sincopados, braço direito encontrando no ar a mão esquerda, e o reverso, braços e pernas abertos - da visão do homem
vitruviano à simetria do universo... Ele
não saberá, mas seus fugazes
desenhos chineses iludem a moça triste que passa e,
desavisadamente, esquece de avançar no
sinal verde, capturada pela ideia que,
ela imagina, deve acometer o talvez estrangeiro: “Cada um é cada um. Um
dia ainda encontro a justa medida! Aí então serei tal qual um citadino.”
Um comentário:
Achei você!!!!! E que texto bonito e bruto, hem? ^Você tá ficando mesmo senhora das poucas palavras e muitas senhas...
Tô em Bh, quando voltar, quero encontrar com você. bj. /GÊ
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