Dentre as sementes, as aladas são minhas favoritas. Nada exercia mais fascínio sobre minha infância que arremessar dentes-de-leão e, em vão, tentar capturar cada um dos cursos que iam desenhar no céu.
Mesmo hoje não resisto a colher dente-de-leão que se põe em meu caminho e, claro, sigo o ritual de fazer um pedido enquanto os assopro (“Em que crêem os que não crêem?”).
O dente-de-leão, quando flor imatura, até lembra, remotamente, a juba de um leão. Mas de resto distanciam-se. Acho a flor mesmo tacanha e sua altivez restará ínfima se comparada a do leão. Opinião sobre a qual ainda estou indecisa.
E depois tem a palavra dente no nome. Dente, esta aí como fato dado, até o momento em que se vai ao dentista, mais por força do hábito que por gosto. Então, o que era um dente será um iceberg. E quando nem a anestesia amaina a dor, fica-se sabendo quão grande é um dente, esquadrinhando-o à sensação, que é o jeito menos mentiroso de medir, porém o mais intraduzível e não-padronizável.
Eu lia outro dia Gabriel Garcia Márquez dizendo do quanto queria, em criança, que seus dentes fossem móveis, para que a tia pudesse escová-los enquanto ele brincava lá fora, à maneira que ela fazia com seus dentes.
Dente também é aquele degrau que se instaura em móveis, utensílios e pequenos tesouros quando maculados. É presença fundamental em certas ferramentas para que se produza corte.
Às vezes, portanto, não são só as ideias que estão fora de lugar. Palavras e sensações, porque em uso, nutrem-se, levianamente, daquilo que não deveria ser mais que mera predisposição.
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