Escrever um texto assemelha-se ao ato de fazer uma roça. Pois, quando se chega em um terreno, primeiro há que se percorrê-lo todo, tomando nota de onde estão suas envergaduras e de para onde vão suas inclinações, em elas havendo. Caso ele não as tenha, por plaino de feitio ou amainado, então semeia-se à mão cheia. Mas em ele sendo rústico, de relevos irregulares ou íngremes, então se estuda com mais cautela como proceder a semeadura. Para um texto quase se pode seguir o mesmo princípio: considera-se o terreno, ou tu mesmo, as ferramentas que se tem e as primeiras idéias, seminais. Depois de tê-las percorrido, é chegado o momento de descobrir como arremessá-las ao solo chão do papel branco, (ou da tela, mais factível para os tempos que correm). Escolhidas as primeiras palavras, então sim, vai se adubando com outras ideais próprias ou lidas e tomadas daqui e dali. Quando o solo é fértil, ou quando a ideia é fértil, quase que se toma tudo do chão próprio. Mas em se tratando de terreno extenuado ou inexperiente, buscar suplementos será um requisito. Citar os outros em um texto autoral é parecido com adubar o terreno, injetá-lo de vigor e ousadia, renová-lo, acrescendo-lhe artificialmente daquilo que é fundante a um terreno, dar-lhe consistência. Solo adubado, sementes lançadas e enfim... o demais do trabalho é do colono, do escritor. Ele, manuseando as ferramentas escolhidas com rigor, dará estatura ao texto e fará de sua escritura/cultura a própria representação de si. Eu acho que é assim que eu tento escrever um texto.
domingo, 26 de fevereiro de 2012
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Vestes para uma criatura
Começa-se dando muitas voltas em torno do tema, o pano, o fundo. Lendo-o, perfilando-o. Depois, traçam-se linhas mestras como se fosse a costura que lhe dará o desenho, a feição principal. Ele/a não precisa de pedrarias, adereços e adjetivos em demasia. Basta que a costura seja reta e justa, o acabamento bem feito e os arremates imperceptíveis. Muitos daqueles que entendem das artesanias irão averiguar o avesso do artefato para certificar-se da habilidade do criador. Um ponto que falta, uma linha que sobra, uma beira ou viés sobressalente e lá se deitou fora toda a boniteza do tecido. Quase ao fim do empreendimento, volta-se por sobre ele/a e esmerilha e espera e esmera. Nota-se facilmente quando há postos frouxos, a vista enganou-se por viciada ou o caimento não está bem. Esta é a hora de repousar, criador e criatura, tomando ares novos, desmembrando-se. Findo o ato, escolhe-se outra ponta e, vai recheando, amarrando, preenchendo, estofando o texto, o tecido, até que pareça consistente o bastante para ser por si só. O intuito é fazer parecer artes de prestidigitação. Não há mãos ali, não há vontades sobrantes. Há a tessitura e, com sorte, respira vida própria. De quimeras e alusões àquele que lhe deu origem: encorpa, vigora, estabelece. Para que a criação não nasça fadada à validade determinada é preciso que tenha envergadura nobre e se baste. Então, adeus! Lá se vai mais uma roupa que nunca lhe pertenceu de todo. Outros a vestirão, emprestar-lhe-ão suas vozes, a traduzirão, levar-lhe-ão a passeio em seus deliberados gostos e vontades. É assim que se faz uma veste, digo um texto.
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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Um Passeio Público e umas ideias
Quando foi criado, no século XIX, o Passeio Público tinha o propósito, tal como tantas outras obras públicas, de atrair a atenção para seus feitores, mais do que gerar melhorias e conforto a seus usuários. Nestor Vítor, um viajante da época, aproveitava para falar dos ares urbanos que Curitiba ia ganhando “à medida que os sapos e os pobres iam cada vez para mais longe” do centro. Ele também já foi Jardim Botânico e Zoológico.
Mas hoje, e para mim, o passeio é palco de múltiplas anedotas. Gozado o nome precisar conter em si a ideia de público. Soa quase tão paradoxal quanto aquela iniciativa que havia um tempo atrás chamada “teatro para o povo”. Ora, se não o povo, quem vê o teatro? Para quem é o teatro? Então para quem é o passeio se não para seu público? E o que fazemos quando vamos à passeio se não dar a ver a nós mesmos? Estamos sempre na esfera pública (e a passeio?) tão logo deixemos o recinto privado (isso quando os vizinhos e seus sons potentes e seus pets não invadem esse que deveria ser nosso reduto inviolável).
Eu acho que as árvores do Passeio têm soberania. Eu vivi a finitude de uma delas outro dia, pois que foi tragada pelo vento. Ela estava bem bonita ao chão, como só pode ser bonita uma árvore adulta e gigantesca. Aliás, queria vê-la assim em uma mata. Teria ela cumprido seu destino? Se me ressenti? Porque tenho amor nelas, por frequentá-las. Eu sei de muitos pássaros que ali vão amiúde e ninam e zelam a prole, enquanto renovam seus genes. Mas é avassalador quando um deles, ainda com corpinho de parcas pluma, estatela-se cá em baixo.
Eu também me amuo quando vejo as prostitutas chorando. Outro dia uma delas, nem tão bonita, chorava um choro comedido e constante.
Eu penso no Passeio como um museu a céu aberto, um pátio, um canteiro de obras, um chão de fábrica. Ali estão todos, as crianças em seu deslumbramento diante de tucanos, gralhas-azuis, pavões, trinca-ferros, pelicanos e cotias. As mulheres que fazem dele seu espaço e trabalho. Os homens sedentos de algum afeto e sacanagem. Os acadêmicos exaustos de pensar. Os sozinhos/desocupados/velhinhos/boêmios e nem tanto, limando trias, baralhos e cavalos ao xadrez. Aqueles que se acham normais e aqueles que não sabem muito bem quem são, mas, vez ou outra procuram saber. Ou não.
Se o frequentarmos ao término de um dia é provável que nos deparemos com aquele homem, (cujo nome burocrático da profissão eu ignoro, um cuidador de animais?), parcimoniosamente a carregar a tartaruga para o abrigo. Eu adoro ver aquela tartaruga de pernas para o ar sendo levada tão vagamente. Acho que ela nunca tenta esticar o pescoço enquanto ele lhe resume o trajeto.
É isso. Eu tenho cá pra mim que o Passeio me amplia e engrandece.
Então, vamos ao Passeio.
Então, vamos ao Passeio.
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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012
De engenho e gelosia
Eu juro que às vezes acho que sei quem sou. Mas, que assaz lampejo.
Hoje eu seria simplesmente um engenho, desses que em minha infância tínhamos em casa para moer cana no inverno.
Ou poderia ser uma rama de mandioca, porque esse caulezinho tem colmos à maneira da cana-de-açúcar (coisa que eu também já gostei de ser), mas seus nós apenas se insinuam, criando um relevo na escultura-tronco.
Sem sair da categoria vegetal, eu facilmente seria uma esponja, com suas ranhuras, seus vazios, dutos e trajetos.
Em um dia para mineral, emprestaria palavras de Rosa e diria querer ter a luminosidade dura do diamante.
Nesse preciso instante, que já não é, eu seria um tacho daquilo que chamávamos marmelada, sem que a receita contivesse um marmelo sequer. Porque eu sempre achei bonito ver como mudava a profundidade, a cor, o aroma, a luminescência, a textura de laranjas, cubos de abóbora e mandioca cozidas ao melado quente.
Em estado de coisa eu poderia ser uma gelosia ou um portão de estrada na roça, com seus vãos e nervuras. E daí eu chamaria um Cronópio para me ajudar a contar-lhes como ultrapassar um portão sem abri-lo. Fato que muito os agradaria, suponho. Mas isso já é conversa para outro dia.
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