Onde meus afetos? Eu os perco no
caminho, como aquele sapatinho vermelho
que perdi na infância. Lavo-me. Banho-me demoradamente e caio em tentação. Descuido-me. Tento despir-me de qualquer ideia impregnada. Vem uma palavra e atira promessas. Recuo. Ignoro.
Finjo não ver. As palavras também são seres
voláteis. Elas se oferecem e me abandonam com a mesma fugacidade com que sirvo à luz do dia.
Essa fronteira irrisória entre o que sou e o
que pretendo ser, isso ensina-me a
palavra. E fico fazendo-me de esquecimentos, de mal-entendidos, de disfarces, porque
uma vida não se dá, uma vida se inventa. Uma vida é um arremesso contra a descrença,
um quase, uma punhalada na covardia.
As palavras são viscerais e, estáticas, restam
aí juntando pó, dando nó como
correntinhas de ouro finas demais,
embrulha um pouquinho para ver no que dá? Abandone-as, ainda que
involuntariamente e, quando voltar a si, não mais se distinguirá começo e
ocaso... E será preciso muito tempo para
desemaranhar o nó. Porque palavra na garganta é isso: uma distração que sofre. O
vil metal, tomado a desleixo.
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