quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

"O presente nunca é o nosso fim"

"Nunca ficamos no tempo presente. Lembramos o passado; antecipamos o futuro como lento demais para chegar, como para apressar o seu curso, ou nos lembramos do passado para fazê-lo parar como demasiado rápido, tão imprudentes que erramos por tempos que não são nossos e não pensamos no único que nos pertence, e tão levianos que pensamos naqueles que nada são e escapamos, sem refletir, do único que subsiste. É que, em geral, o presente nos fere. Escondemo-lo de nossas vistas porque nos aflige e, se ele nos é agradável, lamentamos que nos escape. Buscamos mantê-lo mediante o futuro e pensamos em dispor as coisas que não estão em nosso poder por um tempo ao qual não temos a menor certeza de chegarmos. Examine cada um os seus pensamentos. Vai encontrá-los a todos ocupados com o passado ou com o futuro. Quase não pensamos no presente, e se nele pensamos é somente para nele buscar a luz para dispormos do futuro. O presente nunca é o nosso fim. O passado e o presente são os nossos meios, só o futuro é o nosso fim. Assim não vivemos nunca, mas esperamos viver e, sempre nos dispondo a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos." (Fragmento de “Pensamentos”, Pascal)

     Quis partilhar com vocês este trecho que li (aqui) dias atrás e achei inspirador para esta época de fim de um ano e estréia de outro. É mesmo incrível como às vezes  parecemos  seguir essa humana tendência de adiar a felicidade ou colocar nossos pensamentos em outros lugares que não na surpresa de viver o presente!
     E já que desejarmos boas coisas uns aos outros ajuda aplacar a distância e reaviva a esperança em mundo melhor para todos, eu desejo que nós possamos aprender mais e mais em 2010 e sejamos felizes na medida de cada “presente”.

Boas Festas para todos e até 2010!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Por que?

       Ontem, à livraria, encontrei duas frases que ilustram minhas ideias sobre os caminhos que se inventam. Eu gosto de pensar e saber sobre o que  move cada um de nós. Eu gosto de perceber como as inquietudes, razões e respostas divergem. Eu gosto de perguntar por que escolhemos estas e não aquelas searas, por que nos aventuramos em tais plagas, por que seguimos inventando e lutando o destino? É sempre inspirador ver a vontade dos outros desenhando sonhos, como é sempre intrigante ver onde nossas próprias vontades nos lançam.

Às frases:
“Um pássaro não canta porque tem uma resposta. Canta, porque tem uma canção.” (Provérbio Chinês)

“É da natureza humana querer partilhar ideias e eu acredito que, primeiramente, todo artista deseja não mais que contar ao mundo o que tem a dizer. Eu tenho ouvido alguns pintores afirmarem que produzem para si mesmos, mas eu acredito que eles teriam rapidamente esgotado suas chances se vivessem em uma ilha deserta”. Escher

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os anos inominados

Escrito por Carol Tulpar. Traduzido por  Silvia Pandini. (A versão em inglês pode ser lida aqui.)

        É incrível, está tão perto do fim e nós ainda não sabemos como chamá-lo. Muito em breve teremos que nos reportar a ele. Mas como designá-lo? O nome deveria ser uma palavra que incluísse e  nomeasse todos os grandes progressos alcançados nesta primeira década do novo milênio.
        Embora nós costumeiramente nomeamos as década, por exemplo os anos sessenta ou os anos noventa, para esta década isso não funciona. Esses anos parecem enrolar a língua e ainda precisam lidar com um estigma de malditos. Ademais, os anos zeros parecem soar muito pretensiosos.
        Os anos zeros? Esse nome é muito fora de moda, (e naughties, palavra arcaica que era usada como sinônimo para zero, ambém os aproxima demasiadamente do adjetivo nauthy: peralta, traquina).
        É verdade que no último século os anos vinte foram efusivos e os anos trinta miseráveis. Mas será que realmente queremos que as gerações futuras pensem que toda a primeira década do novo milênio foi vazia?
       Ainda há alguns de nós que se lembram que ought e naught costumavam ser sinônimos da palavra “nada”. Mas é duvidoso que qualquer pessoa com menos de 70 anos se lembre que o jogo da velha costumava ser chamado de zeros e cruzes, em vez de ser chamado de jogo dos X e O.
      Se usarmos ought e naught facilmente o significado original tornar-se-á obscuro e as gerações vindouras ficarão com a pulga atrás da orelha em busca de um significado para isso. Mas afinal, quem ainda joga o jogo da velha? Ele requer aqueles implementos primitivos: lápis e papel. Nós estamos para além destas simples ferramentas. Até mesmo uma criança, por pequena que seja, comunica-se estritamente por computador e iphone.
        Certamente não podemos duvidar da década dos zeros ou dos vazios. Usar qualquer um desses nomes traz o risco de mal entendidos ou  de sermos injustos. E sem dúvida, os jovens crescidos durante esses anos poderiam se ressentir se sua década fosse denominada como um tempo vazio.
        Au contraire. Eles naturalmente preferirão que sua década seja lembrada pelos grandes progressos técnicos e sociais que a marcaram. E há muito do que se orgulhar. Esta foi a era em que o telefone fixo, desprestigiado por seu nome redutor e por seu status de imobilidade, aproximou-se da obsolescência.
       Este é o tempo em que se tornou impossível ouvir uma voz humana ao vivo ao se realizar uma chamada para um número comercial graças às infinitamente superiores secretárias eletrônicas, cada qual com sua nauseante variedade de opções. O tempo em que as pessoas começam a ignorar o telefone tocando, a fim de evitar ouvir as mensagens eletrônicas vindas de ligações que tentam vender desde limpa-carpet a calendários de bombeiros sexys. Espere! Calendários de bombeiros sexys? Inclua-me nessa!
          Esta é também a era da larga disseminação dos telefones celulares, uma invenção maravilhosa que tornou possível voltarmos a falar ao vivo com uma pessoa, desde que também tenhamos nosso celular. Mesmo quando telefones celulares eram primitivos e não ofereciam a opção de mensagem de texto ou video games, este novo objeto deixou sua marca. Primeiramente ele dobrou nossas contas de telefone e tornou impossível não atender chamadas. Ele certamente tornou os trajetos mais interessantes. No trem, as pessoas não precisam mais se entediar compenetradas em seus próprios livros ou pensamentos, porque rapidamente a atmosfera será preenchida por pelo menos um lado de uma conversa particular.
          Esta década de progressos também será lembrada como o tempo em que os celulares se metamorfosearam em câmeras. E isso é muito relevante, pois significa que agora podemos tirar fotos tão minúsculas que ninguém poderá ver nossas rugas ou cabelos brancos, isso se for possível ver nossos rostos.
         Claro que este também foi um tempo revolucionário para os estudantes. Habituados à tela do computador, imensamente maior que a página regular, eles começaram a esquecer o que significa página impressa. Certamente agora há pouca demanda por algo tão fora de moda como o livro impresso. Em casa, há o computador com monitor LCD 19” e ninguém sai de casa sem o blackberry. (eu confesso que eu costumava pensar que blackberries eram as frutas selvagens que crescem ao longo do Dique Serpentine. Agora eu sei um pouco mais sobre isso.)
          Ir à aula tornou-se muito mais excitante quando os alunos trazem seus celulares, carregados de divertidos ring tones. Agora eles podem jogar jogos eletrônicos ou mandar mensagem de texto e manterem-se entretidos enquanto a professor chato divaga em tom monótono.
          É verdade que há algumas pequenas inconveniências. Hoje, pessoas que, à moda antiga, carregam suas agendas de endereço, precisam abrir espaço para anotar endereço de email. E aquelas que pararam no tempo e não usam computador, usam computadores lentos ou não tem Real Player Plus não podem mais abrir seus cartões de Natal, quando os primitivos cartões de Natal de papel que costumavam ser enviados pelo correio (agora considerado lento como lesma) estão praticamente esquecidos.
        Quando o computador pessoal se tornou indispensável, as regras colocadas pelos pais foram esmaecendo, uma vez e para sempre. Aqueles destemidos pais e mães que tentaram incutir horário de dormir em seus filhos quando surgiram CSI, Frasier ou até mesmo Survivor, já não podem mais manter a TV fora do quarto de dormir dos filhos. Negar às crianças o acesso ao seu próprio computador pode significar comprometer sua educação e seu futuro. E quando o download começa, os adolescentes racionalizam: “Mas Mãe, Pai, se eu baixar a série posso assisti-la inteira sem comerciais!”
        Estamos às voltas com este tempo em que  conversas ao vivo estão se tornando obsoletas. No banco os clientes atendem ao celular embaixo do nariz do atendente. E os consumidores começam a usar seus celulares em vez de listas de compras.
        “Eu estou no mercado. Você precisa de alguma coisa?”
        “O que? desculpa, preciso desligar. O programa está começando. Ligo pra você depois”.
         A velha tradição de fazer as refeições em família passou para a história e cada um agora é livre para comer diante de máquinas amigáveis que nunca  pedirão que se mastigue a comida ou  se coma legumes.
        Bom, de qualquer maneira, em apenas um mês esta década brilhante terá terminado. Quando nosso novo milênio entrar na adolescência nós teremos que nos referir a esta década de algum modo. Como a década que experienciou um aumento substancial na venda de telefones e, consequentemente, em vendas via telefone, ou talvez a década da pretensão soe mais familiar?

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

"Teachers and Mills"

      Meu post “Professores, moinhos e gigantes”, originalmente publicado neste blog em outubro, foi traduzido hoje, a quatro mãos, por mim e por minha mais nova parceira de blogsfera. Em breve traduzirei um dos posts escrito por ela. Devo dizer que os caminhos da tradução são oblíquos. Mas o maior objetivo  aqui é ensaiar - ou seria  ser feliz?

Guest blog by Silvia Pandini: "Teachers and Mills"
Translated from the Portuguese by Silvia Pandini and Carol Tulpar.

     The chaff-coated millstones of my childhood were powered by wind, water and circling oxen. These stones created miracles: rice grains were cleaned, corn and wheat were transformed into flour, and the smoked leaves of yerba mate became a delicious tea.
     As I moved out from the small farm of my childhood, I discovered larger mills and greater miracles. When Ney Matogrosso sang about how the north wind does not drive the mill, I began to wonder which of our efforts are pointless, which are necessary and productive, and which can bring us varied and unpredictable results. All are generated by the energy of the same wind.
     The most evocative mills are those of the imagination, and Cervantes is their most brilliant creator. Like Don Quixote tilting at the windmill giant, we see what we are willing, able and eager to see.
     The artist Rembrandt also painted mills of moving and unforgettable beauty that have remained forever engraved on my mind.
      In Brazil, we have a special day to celebrate teachers. Yet why should we need a special day to celebrate the daily joys of learning and discovery?
Here’s to those who plough the land, simultaneously teachers, mills, and giants. May they enjoy long and fruitful lives.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Caleidoscópio e retratos

        Nos retratos de família a descoberta de mais algumas faces deste caleidoscópio que inventamos ser.  Uma das características deste pernóstico instrumento, o caleidoscópio, feliz ou infelizmente, é carecer ser guiado por mãos alheias. Ele contém em si uma gama de possibilidades incríveis e belas. Entretanto, como na vida,  o acaso também decide o desenho que se adivinha. Certa vez comprei um caleidoscópio para dar de presente, mas acabei ficando com ele porque achei que poderia precisá-lo em noites de longa vigília, para quando eu quisesse ser feliz ou para nada, pois que gosto dessa categoria de objetos. Aí eu olho para o caleidoscópio, como olho para esses recortes do passado, e posso dizer: pareço-me com isso. Embora eu nem sempre seja de cores e flores.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Que parte de mim escreve?

Para ontem, hoje e sempre: escrevo.
Por perguntas sem ter hora: escrevo
Para viver amor ausente: escrevo.
Por tédio, absolvição e luto: escrevo.
Para nomear o inexistente: escrevo.
Por transitar entre línguas: escrevo.
Para aplacar dor reticente: escrevo.
Por meus pés nem sempre saberem onde pisam: escrevo.
Para bendizer e macular: escrevo.
Por meus olhos fingirem adormecer: escrevo.
Para viver do inominável: escrevo.
Por querer sonhar o porvir: escrevo.
E enquanto escrevo que parte de mim escreve?

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A geada na cidade e a geada no campo

       Nas  terras do norte é assim: é de manhã e os habitantes tentam resgatar seus carros cobertos pela geada. É meio do dia e lá está ela intacta. É fim do dia e a geada segue a esmo para as galerias pluviais. Tudo nessa geada é excêntrico: sua cor, seus modos e os lugares que encontra para ficar existindo. Talvez porque a geada na cidade pareça fora do lugar, pois que perde um pouco seu status natural por não encontrar solo macio no qual se aconchegar. Na cidade, as ruas e telhados e todos os artefatos humanos interpõem-se em seu caminho e ela fica tendo que achar vãos por onde estar. Acaba que ela encontra uma ou outra beira, depressão ou meio-fio e ali fica, congelada, abismal, quase suicida.
       A geada no campo, como a vida no campo, tem qualquer coisa de mais real.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Retrato de uma ausência

     Um irmão fisgado inesperadamente pelo fio da morte pode ser reconhecido em lugares muitos. Em vãos. A esmo. Num recorte de patchwork visto de relance na roupa de alguém. No andar da formiga sobre a pele. Na fotografia escondida na gaveta. Nas cartas deliberadamente guardadas. Na audição de sua música predileta. Na memória de seu legado. Na palavra que se escreve. Na escolha por fazer. Na lembrança do amor herdado. Na ferocidade do tempo. Nos ermos que se perfazem.
     O retrato da presença/ausência de um irmão é indelével.
     Um irmão ausente pode para sempre ser encontrado.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Detestável sentimento

Caetano cantou que “O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou a Baía de Guanabara”.
Donde intuo que, apesar da índole violenta da palavra, quase todos detestam alguma coisa.
O estudante asiático detesta o próprio nome e aos 17 anos sonha em comprar um nome americano.
A fisioterapeuta iraniana detesta não poder usar seu próprio nome e precisar escolher um nome facilmente pronunciável em língua americana.
O engenheiro chinês detesta seu sub-emprego em terras estrangeiras e sonha finalmente dedicar-se às aproximações entre Ética, Ciência e Arte.
O garoto sul-africano detesta o frio de Quebec menos do que a língua inglesa.
A contadora polonesa detesta pessoas que dizem não ter tempo livre.
A policial russa detesta a teimosia do marido.
O enfermeiro japonês detesta sangue e preferiria ser curador de arte.
A professora canadense detesta o mau emprego das palavras nunca, todos e sempre.
O músico thailandês detesta instrumento desafinado por pouco uso.
A blogueira brasileira detesta notar que há dias em que se fica sem inspiração.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Um pai é um emblema

       Maninho costumava ser um dos apelidos de meu pai. Não sei por que, eu nunca entendia esse apelido. Eu demorei para associar o apelido ao significado da palavra. Para mim, Maninho era meu pai e não um substantivo comum que pudesse ter sinônimo.
       Enfim, em eu criança, nunca lhe chamei Maninho, como nunca lhe chamei papai.
       Eu acho tão terno falar papai. Eu nunca fui ensinada a falar papai.
       Parece que hoje eu posso falar papai, pois os anos passaram para ele e para mim. Ele já não é, ele já não soa tão feroz. Ele não figura mais e tão somente na versão pai. Posso tê-lo também na versão papai. Posso tê-lo em quantas versões quiser, afinal um pai é uma divisa.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Quem?

         Quem por estes dias:
Recebeu e-mail antigo? Ouviu nuvens? Foi surpreendido? Sentiu-se agradado? Experimentou ser acarinhado? Esteve comovido? Provou saudades? Nomeou desejos não pronunciados? Ignorou? Partilhou? Reviu crenças? Cheirou afetos? Enriqueceu? Sentiu-se invadido? Nauseou-se por desilusão? Resignou-se? Escandalizou? Delirou palavras? Controlou-se? Criou dilemas? Deliciou-se culturalmente? Lambeu solidão? Absorveu esperança? Sorveu a terra? Escutou árvores? Engoliu estrelas? Encontrou lagartixas e galinhas de penas nacaradas? Cavou tesouros dados por remotamente escondidos? Experimentou rituais? Amou? Tirou férias? Dormiu bem? Leu jornais? Surpreendeu outrem? Escreveu? Seduziu? Divertiu? Bajulou? Provocou? Satirizou? Agradou? Beijou? Retirou máscaras? Arranjou outras? Inventou? Mimou? Comoveu? Desfez-se? Agradeceu? Foi ao cinema? Viu-se estando no mundo? Foi feliz?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Ossos de vidro

Ele? De vidro?
Nem tão frágil.
Nem sempre transparente.
Raspado, tingido, polido, escovado, fosco, espelhado, colorido, translúcido.
Passivo a transmutações de formato e cor quando submetido a altas temperaturas.
Querendo-se,  reconstituível. Nunca duplicável.
Sempre envolto  à substância vitrificável. Quase diáfano.
Quem é você, sentimento que se anuncia  e desmancha a cada dia com seus ossos de vidro?
Uma atmosfera de enigmática  curiosidade sempre rondou minhas percepções.