terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Viver a pena

           Queria escrever sobre a pena. Não tenho, porém, arcabouço jurídico e tampouco interesse para discorrer sobre a pena que se inflige ao condenado. Poderia relembrar Kakfa e a crueza da pena inscrita, à exaustão, no próprio corpo. Parece aliás que é sobre isso que quisera eu falar. Porque ando mesmo intrigada com a marca que a pena imprime no corpo/postura/modo de viver das pessoas. Seja porque elas são daquele "tipo" melodramático que se sentimentalizam por tudo ou porque impõem a si próprias a pena de viver. E, sob a égide da autoflagelação, fazem seu percurso de um jeito que aos outros soa perverso. Mas que modo de funcionamento é esse? Por que, diante de uma possibilidade de felicidade, escolhe o sujeito a lamúria e a autocomiseração? Por que há tantos livros de auto-ajuda intentando suprir essa ânsia por certezas? Bolas. Como é mesmo que se faz para encontrar o que nos move e disso não mais nos distanciarmos?
            Vargas Llosa, depois de ter visto mais de uma vez a obra de Frida Kahlo (confessa ele, aliás, não ter se sentido tocado por ela da vez primeira), sobre ela pode opinar: “Há nesses quadros algo que vai além da pintura e da arte, algo que se aproxima desse indecifrável mistério de que é feita a vida do homem, essa base irredutível onde, como dizia Battaille, as contradições desaparecem, o belo e o feio se confundem e se tornam necessários um para o outro, assim como o gozo e o suplício, a alegria e o pranto, essa raiz profunda da experiência que ninguém consegue explicar, mas que certos artistas que pintam, compõem ou escrevem como que se imolando são capazes de nos fazer pressentir.”
            Suportando a dor, ou teria sido transcendendo-a (?), Frida fez seu legado. E de quebra dá a ver o mistério da vida pela arte.
            Viver é também suplantar a pena.