sexta-feira, 14 de março de 2014

Arqueologia urbana

         Ele sonhava em fazer de seus achados um roteiro. Tal qual um mapa com o qual se pudesse operar cidades. Uma vez, achou, em bairro que pouco distava do centro, um ninho de passarinho  avassalado de intempérie. Deu nisso. Pôs-se a esquadrinhar não só pássaro fêmea  de  olhar perscrutador sob o ninho arremetido ao chão, mas os hábitos  vizinhos. Onde eles? 
          Fios coloridos de outrora engrenagens cibernéticas, parte do que fora pompom de roupa de criança, cabelos e pelos de animais variados, díspares galhinhos, um anel plástico  que selara a cachaça mais barata,   gripa e palhinhas da estação passada,  rotas folhas, impressos  arruinados pela inclemência de tempos urgentes, paina amarfanhada  e outros restos menos prováveis se juntavam. Isso, mais  penugens arrancadas ao dono, compunha o intricado berço agora coroado de vazio.
        Ao largo,  buzina de carro,  ônibus freando para passar  lombada,  canos de escapes rotos,  estridências, conversas cruzadas; a  cunhada, a cunhada da esposa, a vó, a  bisa, o pai, o filho. Ruídos de família.  O menino, recém-saído da fralda, rodeava-o, convencendo-o de que, sob a réstia de luz, valia a pena plantar grãos de milho num canto secundário do terreno financiado. 
          Ele ali,  vizinho,vizinhos, um olho no ninho, outro no filho com a mão esbugalhando semente.  Dentro, fora, o  sagaz silêncio.

Um comentário:

Anônimo disse...

...foi assim. Me emocionei. Beijos.