terça-feira, 22 de abril de 2014

Decalcomania

Ela sempre teve dificuldade de usar o que lhe é dado: das lâminas de  decalcolagem  ganhas na infância,  cujo destino fácil era  virarem enfeites na pia ou  geladeira azul de sua mãe,  às benesses do presente. Por isso amarrava-se ao passado.
Ela abominava  aquelas arranjos artificiais  decalcados  na geladeira amarela da vizinha. Ela  sempre teve decalcomanias em casa, mas e  onde a coragem de usá-las.? O mesmo se dava com as cartelas de adesivos decorativos. E o que dizer do jogo de lençol que ganhou  na década de 90? Lá, erguido na última prateleira do armário, juntando marca amarelada no vinco.   Cadê  coragem de  usar lençol tão  branco?
Hoje, filhos crescidos, netos crescidos, cabelos brancos, um presentinho ou outro guardado ainda na embalagem e um resfriado que não cede.  Família vem no pacote, pensa.  Ovo de páscoa da data passada, ainda embrulhado, rato roeu... Farelo bordado  de  papel reluzente caído do bolso do único terno roto pendurado no armário. Isso. Esse fiozinho de existência. Esta vida comezinha. Essa certeza de  sentimento, fininha, qual  papel laminado de ovo de páscoa.
Nas decalcomanias, lê em  Walter Benjamim, as cores flutuam aladas sobre todas as coisas.

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