quinta-feira, 13 de março de 2014

A maioridade

Vinte e um anos morando na cidade grande e  parcas habilidades  ainda de  transitar entre os citadinos.  Todo dia era isso, ele acordava, uma  ideia renitente  comprimindo o peito: “E se não passar de hoje?  E se  descobrirem a grande farsa que em mim se assenta?”
 Ele não era dali, ele nunca poderia  saber o que era ter nascido  e erigido, aí, seu castelo de conveniências. Por isso ele gostava de trabalhos impossíveis. De preferência encomendados, daqueles brabos, com data e hora para finalizar.
Não era a sua praia, nunca seria, mas às vezes achava que deveria estar  em uma agência de publicidade. - “Não é isso que dizem? Que marqueteiro tem deadline? Meia noite e... o último expiro!  E o glamour da publicidade? Ela que  se confunde com o nobre pressuposto de comunicar? Arras! Qual o que?”  
Só ideias. Isso. Ele era isso, só ideia. Nenhuma  mulher, algum emprego,  contas no escaninho da portaria do prédio, poucos amigos e um  ermo de sentimento. 
 Mas uma coisa era certa, todo dia, às 6:45, ele haveria de estar lá, na praça Rui Barbosa, exibindo musculatura e parcimônia  em exercícios  orientais. “Aqueles,  sabe? Aqueles que formam desenhos no ar.” 
 Ele  não supõe, mas sua disciplina chinesa,  em movimentos sincopados, braço direito  encontrando no ar a mão esquerda,  e o reverso,  braços e pernas abertos - da visão do homem vitruviano à simetria do universo... Ele  não saberá, mas seus fugazes  desenhos chineses  iludem  a moça triste que passa e, desavisadamente,  esquece de avançar no sinal verde, capturada pela ideia que,  ela imagina, deve acometer o talvez estrangeiro: “Cada um é cada um. Um dia ainda encontro a justa medida! Aí então serei tal qual um citadino.”

Um comentário:

gerere disse...

Achei você!!!!! E que texto bonito e bruto, hem? ^Você tá ficando mesmo senhora das poucas palavras e muitas senhas...
Tô em Bh, quando voltar, quero encontrar com você. bj. /GÊ