quinta-feira, 17 de julho de 2014

Do amor até a palavra


 Onde meus afetos? Eu os perco no caminho, como aquele  sapatinho vermelho que perdi na infância.  Lavo-me. Banho-me demoradamente e caio em tentação.  Descuido-me. Tento despir-me de qualquer ideia impregnada. Vem uma palavra e atira promessas. Recuo. Ignoro. Finjo não ver. As palavras  também são seres voláteis. Elas se oferecem e me abandonam com a mesma fugacidade com  que  sirvo à luz do dia. 
 Essa fronteira irrisória entre o que sou e o que pretendo ser,  isso ensina-me a palavra. E fico fazendo-me de esquecimentos, de mal-entendidos, de disfarces, porque uma vida não se dá, uma vida se inventa. Uma vida é um arremesso contra a descrença, um quase,  uma punhalada  na covardia.  
 As palavras são viscerais e, estáticas, restam aí juntando  pó, dando nó como correntinhas de ouro  finas demais, embrulha um pouquinho para ver no que dá? Abandone-as, ainda que involuntariamente  e, quando  voltar a si, não mais se distinguirá começo e ocaso...  E será preciso muito tempo para desemaranhar o nó. Porque palavra na garganta é isso: uma distração que sofre. O vil metal, tomado a desleixo.

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