quarta-feira, 3 de março de 2010

Como mentir para própria memória

        É quase sempre assim. Eu esqueço. Há poucas coisas das quais eu consiga lembrar facilmente. Eu habilmente esqueço-me.
        A mim são úteis as companhias de pessoas cheias de memórias para dizer-me: “foi assim” e, às vezes, eu então até lembro que foi. Quando não, tenho que acreditar.
        Há histórias que gosto de saber de novo. Especialmente aquelas que dizem respeito a um tempo vago e difuso como é o da infância. Esse que cabe no “era uma vez”. Esse que cabe no “naquele tempo”. Esse que cabe no “quando vocês eram crianças”. E ficamos, meus múltiplos irmãos e eu, cabendo nesse lapso indeterminado.
        Quando auxiliada por minha mãe, eu avisto minhas memórias.
        Descobri outro dia  que o primeiro rancho que me formou ficava num eito de terra chamado “Da Saudade” e fiquei gostando. Aquilo é diferente de toda a cidade, porque meus olhos o fazem mais bonito. Do nascente ao poente, e assim se mediam divisas, era mata cortada por carreiros e sangas engolidas pela noite imensa. Se era a luz de uma noite estrelada permitiam-se serões.
        Outras vezes, é um irmão, uma irmã, que compila minhas memórias ausentes.
         Eu, de minha parte, acho que invento quase tudo. É como mentir para própria memória, oca.
         Ocupada em ser formiga, quase nem sei ser cigarra. Talvez um dia eu possa, como li aqui, pronunciar: “Casca oca, a cigarra cantou-se toda”.(Bashô)

Nenhum comentário: