quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O passaporte universal

       Eu comecei a ir à escola antes e depois do tempo. Eu fui para escola fora do tempo. Até hoje ir à escola é para mim algo sem idade. Tenho sempre as mesmas ganas de aprender, perco o sono ideando o que vai acontecer na aula do dia seguinte e conferindo obsessivamente as horas para não me atrasar. Escola e eu temos uma relação que foge ao tempo convencionado.
      Quando comecei ir à escola, meus irmãos fizeram influência em mim. Eu sonhava crescer rápido para ter a famigerada idade de ser admitida à escola, de ser um grande que iria à escola.
        Houve um dia em que minha mãe se convenceu de que não, eu não caberia mais em mim sem o tempo escolar. Fosse qual fosse a estação.
        Mesmo tendo começado a ir à escola com o pretexto de acompanhar uma de minhas irmãs mais velhas, e, lá, recebendo o intrigante rótulo de aluna “encostada” por não ter idade para ser matriculada regularmente, encarei tal status como mérito meu. Jamais me permitia ficar à toa e preenchia páginas e páginas de exercícios de treino, tão mecânicos quanto adoráveis, com força o bastante para o peso da mão ser notado da primeira à última página do caderno quadriculado.
        Para chegar à escola, atravessávamos campos e plantações. Andávamos um caminho montanhoso e interminável para meus poucos anos e forças. Quando eu era vencida pelo cansaço, minha irmã prometia carregar-me nas costas tão logo chegássemos em cima do próximo morro. Tropegamente, eu seguia. No topo de outro morro conquistado eu queria mais era descê-lo correndo. O vento em mim e eu ao vento. Então ela prometia carregar-me no Morro do Modesto. Mas este era tão perto de nosso destino, e minhas ânsias já eram tão aumentadas com a proximidade da escola, que eu terminava dispensando a oferta. Outras tantas vezes ela me ajudaria em morros que eu não saberia nomear.
        Ao sol escaldante, sob chuvas torrenciais, pisando o barro vermelho ou estalando geada, eu ia à escola como quem ganhou o passaporte universal.

Um comentário:

Anônimo disse...

E faz bom uso deste passaporte...
Déia