segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os anos inominados

Escrito por Carol Tulpar. Traduzido por  Silvia Pandini. (A versão em inglês pode ser lida aqui.)

        É incrível, está tão perto do fim e nós ainda não sabemos como chamá-lo. Muito em breve teremos que nos reportar a ele. Mas como designá-lo? O nome deveria ser uma palavra que incluísse e  nomeasse todos os grandes progressos alcançados nesta primeira década do novo milênio.
        Embora nós costumeiramente nomeamos as década, por exemplo os anos sessenta ou os anos noventa, para esta década isso não funciona. Esses anos parecem enrolar a língua e ainda precisam lidar com um estigma de malditos. Ademais, os anos zeros parecem soar muito pretensiosos.
        Os anos zeros? Esse nome é muito fora de moda, (e naughties, palavra arcaica que era usada como sinônimo para zero, ambém os aproxima demasiadamente do adjetivo nauthy: peralta, traquina).
        É verdade que no último século os anos vinte foram efusivos e os anos trinta miseráveis. Mas será que realmente queremos que as gerações futuras pensem que toda a primeira década do novo milênio foi vazia?
       Ainda há alguns de nós que se lembram que ought e naught costumavam ser sinônimos da palavra “nada”. Mas é duvidoso que qualquer pessoa com menos de 70 anos se lembre que o jogo da velha costumava ser chamado de zeros e cruzes, em vez de ser chamado de jogo dos X e O.
      Se usarmos ought e naught facilmente o significado original tornar-se-á obscuro e as gerações vindouras ficarão com a pulga atrás da orelha em busca de um significado para isso. Mas afinal, quem ainda joga o jogo da velha? Ele requer aqueles implementos primitivos: lápis e papel. Nós estamos para além destas simples ferramentas. Até mesmo uma criança, por pequena que seja, comunica-se estritamente por computador e iphone.
        Certamente não podemos duvidar da década dos zeros ou dos vazios. Usar qualquer um desses nomes traz o risco de mal entendidos ou  de sermos injustos. E sem dúvida, os jovens crescidos durante esses anos poderiam se ressentir se sua década fosse denominada como um tempo vazio.
        Au contraire. Eles naturalmente preferirão que sua década seja lembrada pelos grandes progressos técnicos e sociais que a marcaram. E há muito do que se orgulhar. Esta foi a era em que o telefone fixo, desprestigiado por seu nome redutor e por seu status de imobilidade, aproximou-se da obsolescência.
       Este é o tempo em que se tornou impossível ouvir uma voz humana ao vivo ao se realizar uma chamada para um número comercial graças às infinitamente superiores secretárias eletrônicas, cada qual com sua nauseante variedade de opções. O tempo em que as pessoas começam a ignorar o telefone tocando, a fim de evitar ouvir as mensagens eletrônicas vindas de ligações que tentam vender desde limpa-carpet a calendários de bombeiros sexys. Espere! Calendários de bombeiros sexys? Inclua-me nessa!
          Esta é também a era da larga disseminação dos telefones celulares, uma invenção maravilhosa que tornou possível voltarmos a falar ao vivo com uma pessoa, desde que também tenhamos nosso celular. Mesmo quando telefones celulares eram primitivos e não ofereciam a opção de mensagem de texto ou video games, este novo objeto deixou sua marca. Primeiramente ele dobrou nossas contas de telefone e tornou impossível não atender chamadas. Ele certamente tornou os trajetos mais interessantes. No trem, as pessoas não precisam mais se entediar compenetradas em seus próprios livros ou pensamentos, porque rapidamente a atmosfera será preenchida por pelo menos um lado de uma conversa particular.
          Esta década de progressos também será lembrada como o tempo em que os celulares se metamorfosearam em câmeras. E isso é muito relevante, pois significa que agora podemos tirar fotos tão minúsculas que ninguém poderá ver nossas rugas ou cabelos brancos, isso se for possível ver nossos rostos.
         Claro que este também foi um tempo revolucionário para os estudantes. Habituados à tela do computador, imensamente maior que a página regular, eles começaram a esquecer o que significa página impressa. Certamente agora há pouca demanda por algo tão fora de moda como o livro impresso. Em casa, há o computador com monitor LCD 19” e ninguém sai de casa sem o blackberry. (eu confesso que eu costumava pensar que blackberries eram as frutas selvagens que crescem ao longo do Dique Serpentine. Agora eu sei um pouco mais sobre isso.)
          Ir à aula tornou-se muito mais excitante quando os alunos trazem seus celulares, carregados de divertidos ring tones. Agora eles podem jogar jogos eletrônicos ou mandar mensagem de texto e manterem-se entretidos enquanto a professor chato divaga em tom monótono.
          É verdade que há algumas pequenas inconveniências. Hoje, pessoas que, à moda antiga, carregam suas agendas de endereço, precisam abrir espaço para anotar endereço de email. E aquelas que pararam no tempo e não usam computador, usam computadores lentos ou não tem Real Player Plus não podem mais abrir seus cartões de Natal, quando os primitivos cartões de Natal de papel que costumavam ser enviados pelo correio (agora considerado lento como lesma) estão praticamente esquecidos.
        Quando o computador pessoal se tornou indispensável, as regras colocadas pelos pais foram esmaecendo, uma vez e para sempre. Aqueles destemidos pais e mães que tentaram incutir horário de dormir em seus filhos quando surgiram CSI, Frasier ou até mesmo Survivor, já não podem mais manter a TV fora do quarto de dormir dos filhos. Negar às crianças o acesso ao seu próprio computador pode significar comprometer sua educação e seu futuro. E quando o download começa, os adolescentes racionalizam: “Mas Mãe, Pai, se eu baixar a série posso assisti-la inteira sem comerciais!”
        Estamos às voltas com este tempo em que  conversas ao vivo estão se tornando obsoletas. No banco os clientes atendem ao celular embaixo do nariz do atendente. E os consumidores começam a usar seus celulares em vez de listas de compras.
        “Eu estou no mercado. Você precisa de alguma coisa?”
        “O que? desculpa, preciso desligar. O programa está começando. Ligo pra você depois”.
         A velha tradição de fazer as refeições em família passou para a história e cada um agora é livre para comer diante de máquinas amigáveis que nunca  pedirão que se mastigue a comida ou  se coma legumes.
        Bom, de qualquer maneira, em apenas um mês esta década brilhante terá terminado. Quando nosso novo milênio entrar na adolescência nós teremos que nos referir a esta década de algum modo. Como a década que experienciou um aumento substancial na venda de telefones e, consequentemente, em vendas via telefone, ou talvez a década da pretensão soe mais familiar?

Nenhum comentário: