segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Da vez primeira em que me reconheci

        Sozinha em casa, meu corpo era uma ferida aberta. Eu costumava fazer diligências e buscar possíveis segredos de família que poderiam me ser escondidos. Afinal, eu supunha, toda família tem cavernas recobertas de teias obscuras. Depois fiquei sabendo que uma família pode ser uma fruta podre, mas sempre é bonita de algum modo. Nutria um sentimento que encontraria um espaço ou coisa inominável, desconhecida. Inexplicavelmente, meu nariz sangrava. Quando senti o líquido quente molhando a face, invadindo a boca e entalando a garganta; eu não sabia. Corri para o espelho, raro na casa. Jamais esqueci o gosto morno da solidão e da cor decomposta pela água. E eu ria um riso bobo e certeiro, pusilânime, avassalador, triste. Eu era aquela imagem. Completamente entregue a mim mesma e achando graça de existir tão independentemente dos outros. Isso já faz muito tempo e esta foi a primeira vez que me lembro de ter pensado o inexistente. Enquanto ria, pronunciava meu nome e isso me fazia mais cócegas e revigorava. Queria parar o riso e me reconhecer naquela centelha espirrada, soprada, pulsante, mutante, correndo, vermelha. Mas não deu.

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