sábado, 17 de outubro de 2009

Todos os caminhos levam à Roma

         Quer bicho mais capcioso que formiga? Elas simplesmente desconsideram a gravidade, a elegância e os bons costumes. E quando menos se espera, lá estão elas dentro das gavetas e armários, lambendo seu pote de mel, enfiando-se em qualquer fresta, ignorando qualquer etiqueta, dispensando qualquer convite e adentrando o menor dos recintos.
          Tentei ser ácida: dei-lhes limão, vinagre.
          Tentei ser aromática: tratei-as com canela em rama, noz-moscada, cravos-da-índia.
         Tentei ser nobre e respeitosa: ofereci-lhes folhas de louro.
         Tentei ser diplomática e burocrata: rejeitaram meus pedidos de que deixassem o recinto e afrontaram minhas ordens de despejos.
         Tentei ser persistentemente maligna, esganando-as uma a uma ou macerando-as aos bandos, enxotando-as da minha cozinha, varrendo-as para fora do meu terreiro, condenando-as deliberadamente aos piores castigos, como morrerem escaldadas.
        Arrependida, abandonei a truculência e dei-me por vencida. Qual o que? Querem ficar por aqui? Agora emprego métodos mui amenos e, mesmo sem discutir a relação, seguimos juntas.
      A receita? Simples. Alimento-as periodicamente com os melhores açúcares. Parcimoniosamente deixo-lhes bom punhado de grãos finos na borda do vão, entre o piso e parede, que conduz ao formigueiro. Elas os perscrutam com as minúcias usuais e põem-se a carregá-los para dentro de seus labirintos inalcançáveis.
      Sigo minha vidinha e elas seguem a delas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sil, eu podia ver claramente a tua expressão escrevendo este texto e lembrei da Ana Claudia atucanada com as lagartixas. Fiquei rindo sozinha, porque este texto é daqueles que se enxerga apaisagem além das palavras, enxerguei as gavetas, o pote de mel, os ladrilhos do chão, embora não faça ideia de como é a tua casinha aí no Canadá e nem imaginava que as formigas sobrevivessem a tanto frio.
Tenho me emocionado e me divertido com o teu blog.
beijos
Maria Inês