quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ao cabeleireiro

         No salão chinês tive meus cabelos aparados ao som de uma música francesa, enquanto tentávamos nos entender, a cabeleireira vietnamita e eu, ambas falando uma língua tomada de empréstimo. Eu acho gozado que toda a vez que vou lá ela põe aquela música francesa pra tocar. Acho que para criar um clima. Eu fico tentando adivinhar o que ela tem por ideal de beleza - talvez querendo remeter as clientes à aura do glamour cosmopolita europeu.      
         Enquanto divago, ela começa os procedimentos em meu cabelo. Meu cabelo, aliás, é muito simples. Não tem tintura, é liso como um cão molhado e obedece  múltiplos comandos. Mas mesmo assim ela dispensa-lhe mil tratamentos.
         Essa cabeleireira tem um padrão frenético de cortar cabelos. Não há exatamente uma lógica, um alinhamento, uma sequência ordenada de ações, aquela coisa de prender a parte superior com grampos e ir cortando de baixo para cima. Nada disso. É uma dança aleatória e mortal contra os fios. Ela tanto me penteia, como joga ares quentes tentando secar o cabelo, como  desfia, corta, mede, compara, ajusta  e apara.
         De minha parte, fico entre expectante e  desconfiada querendo saber como tudo vai terminar. E ela continua. Vendo que secou demais, borrifa águas e aromas novamente e repete o frenesi de volteios tentando domar os fios.
         Então chega a parte mais esperada por mim, quando ela, repentina e compulsivamente, começa a trocar de tesouras. Afinal para cada fio há uma lâmina e uma inclinação que melhor se adéquam. E são tesouras pontiagudas, arredondadas, longas, pequeninas e finalmente aquela que é misto de tesoura e pente. Teleguiadas, elas escolhem e picotam meu cabelo em todas as suas direituras.
        Entremeio a tantos procedimentos a cabeleireira arrisca me perguntar algo e me alcança os espelhos. Eu digo qualquer coisa, porque mesmo não entendi o que ela falou, tampouco enxergo sem meus óculos. Entregue à sorte, deixo-me estar. Tão bom não ter em que pensar.
        Eu tenho um amor simples pelo ato de cortar cabelo, como tenho um desespero. Eu sempre tive. Para mim é cada vez uma ação inaugural, uma grande expectativa, um evento do qual não sairei ilesa. É como na vida, por mais que se queira, nem sempre dá pra prever o corte final.

3 comentários:

That's me disse...

Minha cabeleireira tambem e' de algum pais do sudeste asiatico. Me faz pergntas que nao entendo e eu respondo coisas que nao sei se ela entende. Por alguma razao quando falo Brasil ela fica ainda mais animada e pergunta coisas como por exemplo se temos que atravessar o oceano pra chegar no Brasil. Mas como sou homem meu corte e' supostamente mais simples e mais rapido... antes que de pra explicar em um ingles que faca sentido para nos dois ja paguei e ja fui embora.

Anônimo disse...

Papo cabeça...

Natália disse...

Silvia e suas madeixas sempre muito bem cortadas e organizadas!!! O detalhe é que para cada semana existe um cabelo e um corte diferente. Nunca conheci alguém que corte os cabelos tantas vezes quanto minha ilustre coorde...
Certa vez cheguei a comentar algo deste tipo. Eu queria ter um pouquinho desta coragem...vontade não falta!
A cabelereira estranha ganhou uma cliente assídua ( e encantadora!).